terça-feira, 31 de maio de 2011

O Poema


I  
Esclarecendo que o poema  
é um duelo agudíssimo  
quero eu dizer um dedo  
agudíssimo claro  
apontado ao coração do homem   

falo  
com uma agulha de sangue  
a coser-me todo o corpo  
à garganta   

e a esta terra imóvel  
onde já a minha sombra  
é um traço de alarme              

II             
Piso do poema            
chão de areia  
           
Digo na maneira            
mais crua e mais            
intensa           

de medir o poema           
pela medida inteira            

o poema em milímetro           
de madeira            

ou apodrece o poema           
ou se alteia            

ou se despedaça           
a mão ateia            

ou cinco seis astros           
se percorre            

antes que o deserto           
mate a fome  

in "Terra imóvel" - 1964

Luiza Neto Jorge (
Lisboa, 1939 — Lisboa, 1989)

Nenhum comentário:

Postar um comentário